terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Opacidade social


A “opacidade social” ilustra políticas comunitárias sombrias e faciosas, que uma vez carecendo de transparência, põem em causa os estruturantes pilares da sociedade.

Esta arbitrariedade, infelizmente bastante comum nos dias que correm, inviabiliza a promoção da solidariedade e isonomia, impedindo assim o prevalecimento da “equidade social” (que representa o reconhecimento e efetivação, dos direitos da população, sem lhes restringir o acesso, nem estigmatizar as diferenças que conformam os diversos segmentos que a compõem).

As razões, essas, são de ordem variada. Poderão enunciar-se heranças coloniais, geradoras de estruturas político-sociais e económicas, profundamente influenciadas por uma estrutura colonial hierárquica, centralizada e discriminatória, onde perdura pouco interesse no processo de distribuição de riqueza e de concessão de direitos políticos; a segregação racial, cimentada por uma forte intolerância, muitas vezes motivada pela visão etnocêntrica de uma maioria em detrimento de uma minoria num mesmo território; a iniquidade de género, onde indivíduos são discriminados pelo fato de serem homem ou mulher, no que toca inicialmente ao acesso à educação, seguindo-se durante o processo educativo e culminando com as discrepâncias em termos de salário; a localização geográfica, que condiciona os acessos a bens e serviços essenciais para a manutenção do exercício comercial, social e educacional.

Cingindo-nos especificamente à educação, poderá ainda mencionar-se a relação entre condição socioeconómica da família e o acesso a condições de permanência da criança na escola (alimentação, material escolar, transporte, uniforme, entre outras); a distância instrucional entre os pais e as crianças (destacando-se aqui o grau de escolaridade das famílias que condiciona linguagem, gostos, interesses e práticas) e ainda as condições de habitabilidade do local em que vive a criança e suas responsabilidades na família.

A notória disparidade social, gerada pelos aspetos anteriormente mencionados, inviabiliza a perduração de uma “equidade social”. Essa opacidade relativamente ao conceito de equidade, é um dos maiores problemas da sociedade e é uma das causas de boa parte dos conflitos entre povos.

A intensificação desse processo, tende a agravar ainda mais os problemas socioeconómicos dos menos favorecidos, na medida em que é promovida uma má distribuição de riqueza (financeira e cultural).

Expandir o acesso à educação, geraria um crescimento económico que ajudaria a quebrar os ciclos de pobreza, contribuindo para a manutenção da equidade e consequentemente reduzindo a disparidade no mundo.

sábado, 21 de setembro de 2019

Hipócrita (Parte III)

Contrariamente a Édipo, cujo fundo era tão cristalino quanto o lago de Tahoe, Electra aparentava ter sido, de alguma forma, tocada pelo demónio.  
Algo de venenoso e peçonhento fluia-lhe pelas veias e apoderava-se-lhe das entranhas.
Frágil, inocente e bondosa eram adjectivos que jamais se juntariam onde quer que fosse para a caracterizar. O que deveras lhe assentava, era o sarcasmo, embrulhado em papel de escárnio, com um encarnado lacinho de perversidade.
Agia pois, maioritariamente, de modo dissimulado quando confrontada com situações digamos que exóticas.
Era fria, altiva, indómita e arrogante, muito embora penosamente incapaz de evitar o inevitável.
Mesmo tendo consciência de que não havia nada mais desinteressante do que a insegurança e o recalcamento, não soube precaver-se.
Sabia tratar-se de algo supérfluo, irritante e revelador de insensatez, mas mesmo assim optou por se expor abertamente e lamuriar-se.
Tinha o cérebro e o coração diretamente ligados à boca, como que se de uma torneira misturadora se tratasse.
Não tendo tido sangue frio para parar, pensar, analisar, assimilar e agir em conformidade com o que mais lhe convinha, cometeu um dos mais ingénuos e perigosos erros da história da humanidade.
Não se salvaguardou, potenciando assim a sua fraqueza, que como todos sabemos é repulsiva desde que o mundo é mundo.
Esta néscia insegurança, vulnerabilidade de espírito e interpretação deturpada de uma realidade emocional, é um fogo facilmente propagável que deverá ser impreterivelmente abafado.
Dali por diante Electra tinha que elevar a sua auto-estima, rever as suas crenças, priorizar, questionar e averiguar cuidadosamente a origem de toda essa periculosidade.
Apenas o auto-conhecimento a elevaria e extinguiria finalmente a chama da sua incerteza.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Algas à deriva

Verdes, castanhas, vermelhas.
A intrigante serenidade das ondas e a das algas que a seu bel-prazer se deslocam.
Castanhas, vermelhas, verdes.
Inertes, virtuosas, submissas, parecem aceitar sem qualquer tipo de objecção o divagante destino que lhes é imposto.
Vermelhas, verdes, castanhas.
Para a frente e para trás.
Verdes, vermelhas, castanhas.
Para trás e para a frente.
Vermelhas, castanhas, verdes.
Um pouco mais à esquerda, à retaguarda, à direita.
Castanhas, verdes, vermelhas.
Impassível deslocação coordenada.
Verdes, castanhas, vermelhas.
Reluzente gota de água, geradora de perfeitos círculos visíveis à superfície, que deleita o olhar dos mais atentos e aponta para uma das grandes maravilhas da simetria.
Castanhas, vermelhas, verdes.
Céleres e fugazes formas de vida, tocadas apenas pela erosão, que por sua vez amplia ou reduz este mágico festim sensorial.
Vermelhas, verdes, castanhas.
A calmaria, a placidez, a mansidão, onde o céu nublado de um celeste azul em degradê com aleatórios pedaços de algodão bordados, tapa o insolente sol espreitante.
Verdes, vermelhas, castanhas.
Desvairados protistas, minimalistas, dotados de arrojo e de vontade própria.
Vermelhas, castanhas, verdes.
Clorófitas, xantófilas, “originalofitas”.
Castanhas, verdes, vermelhas.
Autoproclamadas anarcas diligentes.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Cortinas de impessoalidade

É francamente deplorável a animosidade geral nos dias que correm.

Tenho cada vez mais a impressão de que as pessoas são arrogantes e desagradáveis fortuitamente.

Pior ainda, é aperceber-me disso em situações absolutamente triviais e corriqueiras que fazem parte do quotidiano.

Recentemente enviei três e-mails em circunstancias distintas, com o intuito de obter esclarecimento em três campos absolutamente diferentes, tendo sido confrontada com respostas no mínimo desconcertantes.

Em cada um dos casos, o retorno que obtive foi de extremo mau gosto, pecando naturalmente pela falta de cordialidade..

Expressões como “Não entendemos a sua questão (...)”, “Não entendemos que tipo de informação pretendia que lhe fosse enviada (...)” e “Se tivesse lido o que se encontra disponível no nosso site saberia que (...)” tornaram-se cada vez mais frequentes no mar impessoal da virtualidade.

Creio que não tendo que dar a cara, as pessoas ignoram deliberadamente as normas de educação e das boas maneiras, assumindo antes uma postura ignóbil e mesquinha.

Esta invisível cortina de impessoalidade que desencadeia o “efeito de desinibição” por parte de muitos dos que mantêm comunicações online, está a tornar-se um problema real e lastimoso.

Compreendo perfeitamente que cada qual comunica de forma diferente e que a escrita não é um talento inerente a todos, mas acredito que deveria haver limites, por mais que não seja de bom senso.

Longe de mim procurar ostentar uma conduta puritana. Tendo em conta as minhas próprias lacunas e procurando eu mesma naturalmente preenche-las, apelo aqui a uma pequena análise.

Sugiro pois que sejam deixados de parte egos, quezílias e frustrações e que passemos a tratar o próximo com o apreço e dignidade devidamente requeridos, dentro e fora da Internet.

Acabo assim esta reflexão, relembrando uma conhecidíssima expressão popular:

“Não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti”.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Hipócrita (Parte II)

Era um daqueles dias que antecedem uma enorme tempestade.

Embora não fosse palpável, sentia-se uma atmosfera altamente carregada.
As nuvens, sobrepostas, abatiam-se sob o céu de Outono, como que criando uma espécie de manto mesclado em tons de azul e cinza claro.
Deslocavam-se rapidamente, gerando um padrão nebuloso a cada instante, que por sua vez alterava voluvelmente, toda a configuração celeste.

Os diligentes plátanos semi-nús, tilintavam ao sabor do vento.
Verdes, amarelos, frágeis, quebradiços e delicados.
As suas folhas caroténicas balbuciantes, dançando ritmicamente a cada sopro alado, lembravam um fortuito espetáculo de bailado clássico.

Os transeuntes, fustigados pelo gélido frio que se abatera , deslocavam-se freneticamente de modo mecânico e desprovido de animismo palpável. Caminhavam somente porque sim. Não por possuírem qualquer tipo de vontade própria, mas porque algo oculto e inevitável os impelia para tal.
Até mesmo o livre arbítrio se deixara corromper pelo temporal que aos poucos se fazia anunciar.

Não só os carros circulavam ao compasso de toda esta fúnebre melodia desconcertada, como até mesmo o comboio, triste locomotiva amofinada, aprisionada nos seus rígidos e pesados carris, parecia fazê-lo como uma inércia assimtomática.

Estava tudo como que em suspenso, esperando apenas que a primeira gota de chuva se abatesse sobre o solo, para se dar por iniciada a batalha que acordaria aquela esquálida e esmorecida vila adormecida.